Jornal Diário do Vale - Dezembro de 2003
Câmara aprova na surdina a concessão de serviço de água
Mesmo projeto tinha sido rejeitado pelos vereadores em setembro
RUI CAMEJO
Itatiaia
Sem alarde, sem discussão e numa reunião rápida, os vereadores da Câmara Municipal de Itatiaia aprovaram a lei, enviada pela Prefeitura, que autoriza a concessão dos serviços públicos de água e esgoto no município pelos próximos 30 anos. Os vereadores aprovaram agora, na quinta-feira passada, a mesma lei que eles próprios reprovaram na sessão do dia 16 de setembro último, e que tem parecer contrário do assessor jurídico do Legislativo.
Na época apenas um vereador, Dalmo Ribeiro Pinto Coelho, votou a favor, mas desta vez a maioria optou pela aprovação da lei, com voto contrário de apenas três vereadores. A mudança de opinião da maioria dos parlamentares pegou de surpresa até seus assessores, muitos dos quais só souberam da decisão no dia seguinte à votação. Em setembro, inclusive, os vereadores foram surpreendido com uma assinatura falsa do prefeito Almir Dumay nesse projeto de lei apresentado para votação, conforme eles próprios denunciaram em plenário. O projeto de lei foi trocado dias depois com a assinatura real do prefeito, mas nenhum processo foi aberto pelos vereadores para buscar o responsável pela falsificação do documento oficial.
A empresa que ganhar a licitação, que será feita pela Prefeitura, terá benefícios para deixar qualquer empresário muito feliz e satisfeito. A lei aprovada agora pelos vereadores dá à empresa isenção total de todos os tributos e encargos sociais municipais pelo tempo da concessão, autonomia para decidir quanto cobrará da população pelos serviços, e receberá, ainda, por transferência imediata e sem custos, todos os bens e instalações já existentes e vinculadas à água e ao esgoto no município, incluindo a nova estação de tratamento de água, que está sendo paga pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), que aprovou verba de R$ 660 mil para a Itatiaia. Além de tudo isso a nova empresa poderá solicitar da Prefeitura, a qualquer tempo, desapropriações para expansão dos serviços, com as despesas sendo bancadas pelos cofres públicos, por força da lei aprovada agora pelos vereadores.
O advogado Luis Alexandre Diniz Rodrigues, assessor jurídico da Câmara de Itatiaia, diz que o projeto de lei enviado pela Prefeitura é ilegal, e não atende aos princípios constitucionais que devem reger a administração pública, como a “eficiência e a moralidade”, e peca pela “razoabilidade”, porque não explica os motivos da necessidade de uma concessão por 30 anos para se recuperar os investimentos, sendo a concessão dos serviços de água e esgoto em Itatiaia “altamente rentável” e sem pagamentos de tributos municipais. Luis Alexandre, em seu parecer, alertou os vereadores também para dois artifícios jurídicos do projeto de lei apresentado pela Prefeitura, o da exclusividade dos serviços para a concessionária, e o que define como sendo “tarifa” o pagamento que será cobrado da população pela concessionária, e que pode ser aumentado independentemente de lei. Segundo o advogado, só “taxas” são fiscalizadas pelo poder público, em obediência aos princípios constitucionais. Mesmo com tantos questionamentos contrários, os vereadores não consideraram o parecer jurídico, antes acatado pelas comissões de justiça e de finanças e orçamento, e aprovaram a lei, que agora será devolvida à Prefeitura para ser sancionada pelo prefeito.
O prefeito Almir Dumay reconhece que a água de Itatiaia não é de boa qualidade e o abastecimento não é eficiente, e admite que o município não tem “um sistema que assegure a tranqüilidade do povo, pois nesses quatorze anos de emancipação não fizemos investimos que pudessem oferecer um controle eficaz da água capaz de garantir a sua qualidade”.
A água distribuída em Itatiaia é captada no Rio Campo Belo, próximo à Pedra do Último Adeus, numa área localizada no entorno do Parque Nacional do Itatiaia e já contaminada por coliformes fecais, segundo levantamento do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. A água passa por um canal aberto de mais ou menos 80 metros, e só um pouco antes de entrar nos canos de distribuição recebe cloro gasoso, injetado na água por meio de um cano de PVC com furos e um pequeno misturador elétrico. Não existem bombas, já que a gravidade cuida da distribuição da água, que chega a muitos bairros com muita pressão. Quando chove a população recebe água barrenta nas torneiras, já que não existe uma estação de tratamento nem filtros. A decantação é feita naturalmente pelo canal, e a maior parte de pequenos insetos e folhas são separados por uma tela de nylon, do tipo usada em janelas. Um único funcionário, que recebe menos de R$ 300,00 por mês, cuida de todo o serviço, sendo auxiliado, indiretamente, pelos filhos. Todos moram perto do canal em uma casa simples, com aluguel e luz bancados pela Prefeitura. Há pouco tempo uns flocos azuis parecendo de gelatina entupiram a tela colocada no final do canal, fazendo a água transbordar. A tela foi retirada e os flocos foram mandados para as residências. Em agosto do ano passado mais de 700 pessoas procuraram os hospitais durante vários dias com gastrenterite, com fortes dores no estômago, diarréia e vômito. A Prefeitura, até hoje, não informou à população o que eram os flocos azuis nem a causa da epidemia de gastrenterite ocorrida em agosto de 2002.
A Fundação Nacional de Saúde (Funasa) aprovou verba de R$ 660 mil para a construção da estação de tratamento de água de Itatiaia, e quase a metade desse dinheiro já foi depositada na conta da Prefeitura. Para o início da construção, entretanto, é necessário uma autorização do Ibama, que ainda não foi dada porque a documentação enviada está incompleta, sem o relatório de impacto ambiental. Esse relatório, que custaria cerca de oitocentos reais, não foi feito porque a Prefeitura alega não ter dinheiro. O veterinário Léo Nascimento, do Parque Nacional, que enviou a documentação para Brasília, diz que sem o relatório de impacto ambiental ele nada pode fazer, porque não pode “rasgar a lei”, mesmo sendo ele a favor da estação de tratamento, que é de utilidade pública.
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